Novo sucesso do Netflix, o seriado traz uma narrativa envolvente e motiva interpretações e reflexões sobre a vida
“Boneca Russa” ou “Russian Doll”, série do Netflix lançada no início de fevereiro, já pode ser considerada uma das narrativas mais interessantes do serviço de streaming queridinho dos cinéfilos e amantes de seriados. A trama, curtinha e viciante, motiva reflexões nos espectadores e inúmeras interpretações. Se você ainda não viu esta obra necessária, aqui vão alguns pontos importantes.
O seriado se inspira em filmes como “Feitiço do Tempo” ou o mais recente “A Morte Te Dá Parabéns”, e conta a história de um protagonista que morre e volta à vida incessantemente. Embarcamos na aventura da personagem Nadia Vulvokov (Natasha Lyonne), uma ruiva sarcástica e politicamente incorreta que se encontra em uma festa comemorando seus 36 anos. No dia de seu aniversário, ela morre atropelada e o looping se inicia: Nadia retorna durante a mesma festa.
A série possui 8 episódios de cerca de 30 minutos, e é toda desenhada para ser vista em maratona. Após o segundo episódio, somos cativados pela trama e ficamos curiosos para saber o que raios acontece com Nadia. O que parecia uma história simples com tons dramáticos e ao mesmo tempo engraçados — já que Nadia não consegue parar de morrer, de formas até inusitadas –, se revela uma narrativa extremamente profunda e inteligente.
Um detalhe interessante da obra é que os seus 8 episódios foram dirigidos por mulheres. O brilhante roteiro de “Boneca Russa” foi escrito por Amy Poehler, Leslye Headland e Natasha Lyonne, quem dá vida — inúmeras vezes — à protagonista. A atriz, que também produziu e dirigiu a série, ficou conhecida por interpretar Nicky Nichols em “Orange Is The New Black”, papel que lhe rendeu uma indicação ao Emmy em 2014. Mas afinal, o que está por trás de um dos seriados mais fundamentais e bem escritos de 2019? O que torna “Boneca Russa” tão especial?
Uma série profunda, como seus personagens
ALERTA DE SPOILERS: a partir deste parágrafo, contaremos alguns pontos relevantes da história de “Boneca Russa”. Não iremos entregar todos os detalhes, mas se você ainda não viu a série, é melhor parar de ler por aqui. No entanto, lembre-se de retornar após finalizar sua maratona!
As inúmeras interpretações sobre a narrativa do seriado são motivadas justamente quando o seu grande mistério, o porquê de Nadia morrer e retornar, fica de certa forma em segundo plano. Embora o espectador busque por essa resposta durante toda a trama, em determinado momento ele pode se flagrar comparando as experiências de Nadia com as suas próprias.
Sim, “Boneca Russa” fala sobre a vida e sobre a morte, fala até sobre questões científicas ou filosóficas, mas acima de tudo trata de assuntos que estão dentro de todos nós. Uma bonequinha russa, ou matriosca, é um brinquedo com várias camadas internas, e ao imergirmos na história pessoal de Nadia, conhecemos suas várias versões, nuances e traumas. A problemática do roteiro se resolve a partir do momento em que Nadia confronta questões internas que ficaram no passado.
Em certo ponto da história, ela conhece Alan (Charlie Barnett), que também vive o drama de reviver o mesmo dia, e acaba desenvolvendo com ele uma amizade útil, mas verdadeira. Ambos possuem conflitos internos que merecem atenção. O espectador, por sua vez, ao perceber isso, pode vislumbrar as vezes em que deixou de encarar algum problema ou trauma, em uma espécie de autossabotagem.
Os traumas de Nadia decorrem de sua infância e da conturbada relação que tivera sua já falecida mãe, e de uma culpa que sente por ter escolhido não viver com ela. No caso de Alan, seus traumas se relacionam com sua solidão, perfeccionismo extremo e autoestima baixa, o que resulta em pensamentos suicidas. É aí que o lado mais especial da série se revela, por ela trazer ensinamentos ao espectador, além de entretê-lo.
Durante a narrativa é possível que pensemos sobre a fragilidade da vida, a importância de encararmos nossas adversidades, como nos relacionamos com quem está ao nosso redor ou então sobre o fato de que cada escolha que fazemos resulta em uma consequência inesperada e imprevisível (o que é explicado pela teoria do caos).
O mérito maior de “Boneca Russa” é entregar um arco narrativo profundo, bem escrito e extremamente aberto a interpretações, por tratar de meandros que todos podemos passar durante a vida. Vale ressaltar que cada espectador irá se identificar de maneira diferente e tirar suas próprias lições da história. Não se limite a conhecer a série apenas por este texto e se permita viajar com as reflexões pessoais que “Boneca Russa” pode provocar. São essas características que fazem da série do Netflix um produto indispensável, até para quem não costuma maratonar séries de TV.
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