Primeiramente peço desculpas pela longa introdução. Florianópolis, 20 de Novembro de 2024, 23:42h, Dia da Consciência Negra. Inicialmente havia me proposto a escrever mais uma lista nerd sobre herois negros, talvez sobre o afrofuturismo de wakanda ou até mesmo sobre os momentos de lutas raciais nos quadrinhos, mas fui golpeado com a memória de uma colega falando “nerd é tudo incel”, o que sempre choca quando lembro, é porque me considero nerd, gosto de Star Wars, Star Trek, jogo rpg, jogos eletronicos e consumo muita história em quadrinho, me alfabetizei através delas, mas entendo a possição dela ao falar isso, então me bateu a seguinte pergunta, nerd tem consciência negra? Essa memória vem de uma conversa que tivemos em um bar no centro de São Paulo em 2019, quando discutíamos estratégias de comunicação para uma campanha, não era segredo pra ninguém que a internet já era um ambiente tóxico, mas assim como eu, existem nerds que não são nocivos, arrisco dizer que a maioria deles não é, mas estes como descreve o estereótipo, não estão afim de brigas, logo não ficam na internet em debates desnecessários com os incels aos quais essa colega referia-se, mas então, por que vemos tantas reclamações sobre lacração política nas obras nerds? Por que ouve-se tanta reclamação sobre a tal cultura woke?
Uma coisa se faz necessária, tirar logo o band-aid, existe política em obras da cultura pop desde sempre, obviamente as políticas estão subjetivas nas entrelinhas, quase sempre de forma sutil, com raras exceções, por mais comercial que seja o produto, desde os pulp fictions até o cinema atual, tudo tem política, desde a escolha dos títulos até a cor da capa, claro que como todo produto é necessário seguir algumas regras de mercado, mas os artistas envolvidos nas obras vão deixando migalhas de pão para que o consumidor possa no mínimo refletir sobre a mensagem que está ali impressa.
E a cultura woke? Esse termo foi criado pela extrema direita estadunidense para problematizar quaisquer questões partindo do senso comum e distorcendo preceitos básicos, para justamente fazer política, falando mal da política, de uma forma bem rasa é como se pode explicar, mas deixo aqui um link de um uma palestra do Leandro Demori no Fórum Catarinense de Comunicação Popular explicando como a extrema direita organizou-se para ganhar eleições através da internet (link).
Pronto, com toda a parte pedagógica feita, podemos entrar no assunto de fato, o primeiro e melhor exemplo de política em quadrinhos para mim são os X-Men, um grupo de mutantes que apesar de seus incríveis poderes sofrem xenofobia, debatem diferenças raciais e mostram todas as implicações políticas, morais e éticas destes temas afetando a vida e o dia-a-dia das personagens, três ícones da obra que ilustra isso são: Charles Xavier, Magneto e Tempestade, um cadeirante, um judeu sobrevivente de Auschwitz e uma descendente da realeza queniana que ficou orfã durante os conflitos árabe-israelense, mais recente tivemos o já citado reino de Wakanda de Pantera Negra, um país que se isola do mundo para não sofrer com a exploração de suas riquezas, mas podemos falar de outros personagens iconicos como Mr T de Esquadrão Classe A, Panthro de Thundercast, Arnold Jackson de diff’rent strokes (esse teve três titulos diretentes no Brasil, mas no SBT chamava-se Arnold), Superschok e uma infinidade de personagens negros que já passaram pelas telas de tv no Brasil, só a presença dessas personagens já é política, mas em todas estas séries, haviam situações para dentro do roteiro para debater racismo, vezes sutilmente e com piadas, vezes com tensão e emoção o suficiente para sair do sofá com lagrimas nos olhos, mas então por que não se reconhecia a existência das pautas estruturantes antes? E por que agora isso passou a ser um tabu? A resposta é simples, porque não se quer enxergar o óbvio
No Brasil até a chegada da internet e na minha opinião, também precisamos incluir a chegada dos streamings como a Netflix, sempre consumimos muitos produtos norte americanos e os debates estão direcionados para essa população, então para nós brasileiros era tudo muito sutil, houveram localizações como Um Maluco no Pedaço e Todo Mundo Odeia o Chris que souberam adaptar bem a nossa realidade, mas ainda sim, temos muitas questões sociais que precisam ser observadas para entender tanta coisas. Antes apontei que não ser quer enxergar o óbvio, justamente para mostrar que um dos motivos para não se entender as mensagens, é porque ignoram propositalmente, afinal, podem não ser suas preferências políticas impressas ali, o melhor era fingir que não estavam lá, pode ser que ao não sofrer as mazelas descritas, não dê mesmo pra entender, mas pode ser que sim, só ignorem, afinal muitas daquelas atitudes são coisas que nós fazíamos e mudar exige esforço. Voltando a pergunta original, acho que sim, nerds tem consciência, mas uma minoria maldosa grita tão alto que não conseguimos ver as outras pessoas que não tem esse pensamento vil, especialmente no Brasil, onde quadrinhos, séries e filmes são muitas vezes a única forma de questionamento que chega para inserir algum pensamento crítico, por isso da próxima vamos tentar nos despir de preconceito para termos diálogos mais amigáveis e aproveitarmos melhor os recados inseridos na cultura pop, feita com muito carinho e esforço por tantos artistas que apesar de seus contratos comerciais, não abriram mão de seus ideais e mande este texto para aquela pessoa que sempre reclama quando uma adaptação coloca algum herói como pessoa negra.
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